Em abril de 2021, o Governo do Estado de Mato Grosso iniciou a cobrança do ICMS (sobre a tarifa de utilização do sistema de distribuição da energia - TUSD) dos consumidores que possuem Sistema de Microgeração de Energia Solar exclusivamente para uso pessoal nos termos da Resolução Normativa 482/2012. No popular, a famigerada pretensão de “taxação do sol”.
No entanto, a referida cobrança além de ser ilegal, é inconstitucional. Seja por inexistência de Lei Estadual que preveja tal cobrança ou por flagrante violação do texto constitucional que instituiu o ICMS e suas características no ordenamento jurídico.
Isso porque, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, por meio da referida Resolução, possibilitou às unidades consumidoras vinculadas a esses sistemas de microgeração de energia solar, ceder, por empréstimo gratuito, parcela da energia solar produzida e não utilizada imediatamente à distribuidora local, como forma de desafogar a necessidade de produção de energia hidroelétrica, termoelétrica, etc., e principalmente evitar o desperdício da energia solar produzida pelo particular, resguardando o direito à compensação desses “créditos de energia” cedida com o consumo efetivo de energia elétrica convencional em até 5 anos.
Simplificando, a produção de energia solar excedente (sobra não consumida) é emprestada pelo particular de forma não onerosa à distribuidora de energia com a garantia de retorno futuro da mesma produção em kWh, para quando a unidade consumidora necessite de energia proveniente da distribuidora, sem qualquer ônus ou tributo sobre a operação.
No caso não se compra e nem se vende energia ao Estado de Mato Grosso, à Energisa ou outra pessoa, e muito menos se transfere a propriedade da mercadoria (energia), inexistindo qualquer ato de mercancia entre o particular e a distribuidor e vice-versa.
Portanto, não há o preenchimento dos requisitos essenciais para a configuração de circulação de mercadoria, de acordo com o que definiu o STF quando do julgamento ARE 1255885/RG, com repercussão geral reconhecida (Tema 1099), ou seja, a ocorrência do fato gerador do ICMS, o que impede a incidência do ICMS na hipótese vertente.
Nessa linha de raciocínio surgiram inúmeras decisões judiciais, pautadas no entendimento de que
A operação de “restituição” da energia elétrica emprestada, que se dá por meio de compensação do crédito gerado pela unidade, não está sujeita à incidência de ICMS (mesmo sobre a TUSD), por não restar configurada a circulação de mercadoria, que não deixou o patrimônio do consumidor.
TJ-RS - AC: 70083791988
Inclusive, em recentíssima decisão publicada em 09/07/2021, o núcleo tributário do FCS, obteve decisão favorável proferida pelo juiz da 3ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá-MT, nos autos nº 1023622-53.2021.8.11.0041, que concedeu liminar em um mandado de segurança para obstar a cobrança do ICMS sobre a tarifa de utilização do sistema de distribuição da energia (TUSD), no sistema de compensação de energia elétrica, sob pena de aplicação de multa em caso de descumprimento.
Ademais, importante assimilar que a regulamentação a respeito da isenção da referida cobrança encontra-se disposta no CONVÊNIO ICMS 16/2015 que, contradizendo o discurso voraz de arrecadação do Governo do Estado, autoriza os Estados signatários, dentre eles o Estado de Mato Grosso, a conceder:
(...) isenção nas operações internas relativas à circulação de energia elétrica, sujeitas a faturamento sob o Sistema de Compensação de Energia Elétrica de que trata a Resolução Normativa no 482, de 2012, da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL.
O Governo do Estado de Mato Grosso, querendo de alguma forma preservar a cobrança, apresentou veto ao art. 1º do projeto de lei complementar n° 18/2021 em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado (ALMT), que altera a redação do artigo 37 da Lei Complementar nº 631, de 31 de julho de 2019, que concede isenção de ICMS até 2027 nas operações de energia de que se refere a Resolução Normativa nº 482/2012-ANEEL.
Conduto, tal veto foi derrubado pelos parlamentares mato-grossenses com 14 votos favoráveis à derrubada, no último dia 30/06/2021.
Assim, tudo indica que a discussão permanecerá até o referido projeto de lei se tornar lei efetiva, e que apenas com a judicialização da questão os consumidores poderão se resguardar da taxação indevida sob suas unidades consumidoras geradoras de energia fotovoltaica, antes de qualquer definição política sobre o assunto.